quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Os mesmos degraus de sempre

OS MESMOS DEGRAUS DE SEMPRE



A liberdade de cada forma e o modo como se apresenta na relação consigo e com outra.
A beleza pode ser descoberta até à sua essência, os padrões de belo e de feio deixam de estar definidos deixando de haver distância entre eles.

No limiar o belo e o feio fundem-se.

Existem regras, combinações que imprimem um tipo vibração no que se produz, através da cor, do tipo de mancha, do facto de haver textura ou não.
Quebrar, esquecer combinações de beleza habitual e criar novas, livres de impressões preconcebidas.
O objecto quer ser lido, impedido de se revelar, a custo, o segredo mantém-se secreto. Mas o inevitável impede que cada objecto, o seu processo e forma de apresentação que o seu vocabulário e forma de actuar na realidade, sejam de leitura directa.
O filtro em forma de pensamento faz levantar um inventário comparativo, rasgar essa cortina é ver sem pensar.



A TINTA ESTÁ VIVA


Enquanto pincéis sozinhos.
A espera...noutra forma, de outro modo.
Ao tempo da realidade não seja o segredo esse, o do último cansaço. O vocabulário nas letras pintadas, nas descrições pormenorizadas, a questão posta e a resposta no tempo de observação.
Todas as partes estão cansadas, associam-se quais forem. Reúnem-se no real para agirem ou só existirem.
Objectos escolhidos casualmente por um futuro não acontecido. São colónias desesperadas de informação, traduzidas em forma de energia.
Querem ser ancoradas. Um ponto é uma marca de um objecto, que pelo ponto existe nesse sítio.
Os acordes dissonantes de cor e de forma são propositados, são combinações desenjoativas do hábito desta continuidade que aparente nos mantém na crença de ser este o desenrolar normal, mas não, é vulgar.
Durante outro tipo de processo de construção vai-se processando um diálogo entre o quadro e o pintor, uma forma dialéctica de expressão de alguma coisa, mesmo que em vezes não se saiba o quê. Esse diálogo constrói o tipo de acções que se querem imprimir sobre a obra e as que se querem que a obra imprima sobre o observador. Durante esse processo, é na acção que a certo ponto o fim é dito pela energia do diálogo.



Com equilíbrio, com encaixe, com diálogo.


Sendo aqui no traço do conjunto, na mensagem em códigos, nas traseiras da abstracção, as figuras que nos imitam e que não o são. Por trás de nada, por trás de uma aparência equilibrada, enredado na abstracção, imagens definidas, que nos dizem que pensam.
Traduzi na pintura, num começo, a esta abstracção a que chamei antropomórfica, figuras mais ou menos definidas que, ao observador, pela associação de manchas, lhe é proporcionada uma leitura do seu imaginário. A elas, associados os conceitos de equilíbrio e beleza, segundo os meus padrões, quadros com objectivos, com mensagens com pretensões e com processos de leitura e realização esquemáticos.
Numa paleta, com uma aparência, para mim, “bela”, conteúdos codificados mais ou menos visíveis.
Propus-me então à destruição de tudo isto, à ausência de pretensões temáticas ou formais, à destruição dos meus estereótipos habituais de equilíbrio, passei então a pintar sem querer nada. Na mudança da minha vontade sobre este trabalho, no diálogo com o quadro, obtive imagens que encaixam em novos padrões mutantes, não predefinidos, mas que se formam novos. Em simultâneo com estas novas imagens, sem quaisquer pretensões, o meu “belo” ruiu, a minha sensação de encaixe transformou-se, em vez de representar, mesmo que fundidos na abstracção, imagens definidas, resolvi o meu cansaço no desprendimento, a paleta mudou, a técnica e naturalmente os resultados agora, quase tão reconhecidos por mim como por outro observador.
Depois desta fase, a tela tornou-se em consciência menos importante, não querer pensar nem manipular o objecto, deixá-lo antes formar-se, ao que for acontecendo na sua vontade e não na minha.

Usei a tela como pretexto para construir paletas, fiz das paletas telas.
A ideia na pintura, sem acções manipuladas da consciência e equilíbrios desligados da minha formação humana e como pintor. Desliguei, o mais possível, a minha acção consciente, dos resultados que obtenho em pintura.

O resultado de todo este percurso fez-me levar, no meu caminho, a minha linguagem, a um limite onde o nada, a liberdade total e a ligação ao acaso real, me fez construir uma série de imagens com a Realidade “personificada”. A minha acção somada à da realidade em Acaso.
Não pretendo nada, não pretendo o belo, nem o explícito, nem o código. Não pretendo nada.


-Derreter a matéria

-Contemplação, momentos de pausa. Os quadros são objectos que proporcionam fugas, são escapes na realidade, são pausas, põem a magia mental das pessoas a funcionar como quebras na rotina espiritual. É nestes momentos que a lógica antropomórfica de códigos funciona, as pessoas fazem leituras e associam as manchas em sintonia com a sua vibração e atenção, que variam sempre, assim como o quadro varia sempre também.

Hierarquia - prioridades. T
Na acção directa sobre a tela, menos espaço para o acaso, para a realidade, quando se controla a construção da imagem, o diálogo entre a mente e as opções que se vão tendo a cada momento da execução de um quadro estão mais perto da consciência, do arbítrio e do controle humanos. Procuro dar mais espaço à realidade, construo motores, que autónomos, da minha opção consciente, a cada momento intervêm livres na tela. Uma série de exercícios para os quais invento processos onde ponho a realidade a executar, onde, como pintor, afasto essa importância de mim, atribuindo à realidade uma maior responssabilidade sobre as imagens que “produzimos”.
Que importância tem quem pinta e o que tem a realidade de puro para nos oferecer? Quais são os limites que a nossa razão traz ao que produzimos? Se libertar as telas das minhas ordens e construir uma série de mecanismos produtores de pintura, o que são esse objectos? Novos padrões, novos equilíbrios e associações, em vez de instrumentista, o pintor como maestro.
Tudo aquilo com que se produz é uma imensa mesa de mistura, agora esses elementos impregnados de energia e em movimento livre, que novas combinações nos oferecem?
As habituais ideias a que está ligada a pintura, são desta forma desconstruídas, dando lugar a um novo vocabulário.

Num primeiro exercício, a tela é um meio para se realizar uma paleta, passando esta a ser o objecto de atenção, desconstruindo desta forma esta hierarquia.

Num segundo exercício, sobre várias telas deitadas, a cobrir uma superfície constrói-se um baixo-relevo com carácter escultórico. Sobre este objecto a acção é controlada, mas o que acontece às telas que cobriam a superfície? Uma série de imagens compostas sem diálogo entre o pintor e o objecto, telas livres do arbítrio humano fruto total do acaso, ou seja, da forma de compor da realidade. Questiono aqui para estas telas, qual o valor da intervenção do artista? É um nível de envolvimento totalmente diferente, o pintor é a fonte mas não usa a escolha nem a sua sensibilidade para articular ou compor. Para isto basta-lhe, simplesmente, existir na função de construtor de uma outra coisa, a escultura que no fim pode acabar por não ser nada, ou não.

Num terceiro exercício, enquanto se constrói uma tela na vertical sobe uma bancada, acaba-se por pintar sempre o que suporta a tela, que seja isso o objecto de atenção, mais uma vez hierarquias invertidas. Nesta forma existe a acção sobre a tela com a sua forma mais regular, agora sobre as outras pranchas executadas como consequência da primeira, são imagens novas sob novas regras. As regras da forma de ver, pensar ou agir, habituais minhas como humano, ficam assim reduzidas pela acção livre da realidade e do acaso sobre estas novas extruturas, estes novos equilíbrios e composições livres dos hábitos do Ser humano.

Num quarto exercício, para desviar todo o controlo sobre a obra, proponho o seguinte: a construção de uma acção onde a única intervenção do pintor é libertar tinta sobre uma série de telas desarmadas e com uma barra faze-las dançar umas sobre as outras. Surgem assim mais uma vez uma série de composições livres das regras que usamos quando praticamos algo ligado à nossa consciência.
Pergunto então qual a razão, porquê? Ou nada disso interessa, onde começa alguma coisa a que devemos dar importância e onde acaba, ultrapassar os limites, ou resumirmo-nos a eles.
Estudo o limbo entre a razão, a intuição, a escolha, o que é hábito, o que é prioritário ou secundário, o que é pintar e a importância do pintor quando se confronta com os objectos que produz, que agora proponho que sejam independentes de quem os realiza. O pintor é um objecto, um médio, como um bocado de tinta ou como um pincel.
A aparência e o que as coisas são na realidade, por baixo deste manto. Acreditar em quê? A consciência ou a ilusão da crença e a realidade inevitável, a percepção variável as associações, a tendência na observação para chamar por uma imagem de desejo.


Projecto A

Um dos objectivo propostos, como hipótese para final desta fase, seria apresentar três caixotes, um com uma tela destruída e nela um rótulo dizendo: “ZUNDEX O MELHOR DO LIXO”, cujo significado seria a tela a assumir a destruição da sua função e a passar a desempenhar um papel secundário na pintura. Um segundo caixote onde, em chamas, as telas, pintam a atmosfera, assim em fogo pintam o invisível. Por fim um terceiro caixote vazio, parte do processo onde se expõe o invisível. Para ilustrar esta ideia da exposição do invisível, apresentaria uma série de telas que queimava em forma de performance, cada tela teria um mecanismo que libertava petróleo sobre cada uma e seriam queimadas ao vivo. Esta acção teria o objectivo de transmitir a ideia de que mais importante que a imagem em pintura, depois da explicação que dei sobre a sua desconstrução, é a sua intervenção energética na realidade. Mais do que expor o invisível é pintá-lo, vaporizando a pintura sobre a realidade da energia e do não visível, mas sensível.



Este diálogo


Não existem limites, na realidade nós somos conceitos mutantes e o que fazemos é nosso a cada momento, a mentira pode ser verdade, a verdade mentira, é tudo demasiado relativo e ao mesmo tempo cada coisa pode ser tão concreta. Uma apresentação pode encerrar uma crença com princípio meio e fim, mas que por outro olhar nos pode parecer tão frágil e insegura.
As possibilidades são lançadas, mas que hipóteses dessas são as válidas? O meu enquadramento humano é variável, o meu tempo muda, ou eu mudo, ou o que se apresenta muda. A importância que cada coisa tem está ligada à importância que lhe damos, as hierarquias são atribuídas e nós esquecemo-nos, nada é válido são tudo extremos, ou tudo é válido, e belo, e feio, ou inútil.
Consigo conceber novos meios para atingir novos fins, ampliar o leque do vocabulário, na minha arte. O que pode ser um médio? A que distância e como nos colocamos na relação com as telas que produzimos? Somos deuses num controlo absoluto sobre o que propomos? Somos a tinta e os pincéis em gestos e fórmulas não tão directas na relação com a tela. Somos como o que fazemos.
Os sentidos como mecanismos de diálogo com o que produzimos, durante a acção de pintar, ou para além da utilização dos sentidos, como complemento, a utilização de outros métodos para obter imagens onde o controlo é anulado, onde a escolha é entregue à realidade. Agimos sem dúvida, mas confiamos na acção do que não aparece, do que é volátil, do que é invisível, do tempo do acaso e da imaginação do real como entidade viva que opta, enquadrado naturalmente nos seus mecanismos, ou desconhecidos ou que nos vão sendo revelados ao longo deste tipo de trabalho. Sendo neste enquadramento o artista um instrumento da realidade e ela sim, é a verdadeira compositora.
A desconstrução dos tipos e das fórmulas originais dos mecanismos, quem construiu a tela, quem de uma forma tão desligada lhe infligiu a acção, uma acção tão desligada do controle da sua própria consciência, estas telas são consequências. Como pintor, associado à realidade associada, compomos os dois, em processos tipo, de cada um.